2023 termina como um ano marcado por extremos, para onde quer que se olhe. Guerras e conflitos armados, internacionais e intranacionais, ou sua ameaça, estiveram e estão presentes em todos os cinco continentes regularmente habitados. Dois destes conflitos se destacaram durante este ano. São: a já prolongada guerra na Ucrânia, envolvendo diretamente este país e a Rússia e indiretamente os aliados e fornecedores de armamentos e recursos para o primeiro; e a guerra recentemente iniciada ou reiniciada entre Israel e o grupo Hamas, conflito que também arrisca ser prolongado.
Flavio Aguiar, analista político
A guerra na Ucrânia entrou num impasse. O ano começou com uma planejada contraofensiva por parte da Ucrânia, que prometia ser espetacular. Ela empacou, para dizer o mínimo, sem conseguir ganhos significativos até o momento. Na frente econômica e política, o conflito também empacou.
As sanções econômicas e políticas impostas ao presidente Vladimir Putin e à Rússia não parecem ter abalado nem o prestígio interno daquele nem o desempenho desta. Ambos se aproximaram mais da China e as sanções não contam com um apoio significativo de países fora do círculo dito ocidental, liderado pelos Estados Unidos.
Além disso, a guerra na Ucrânia se viu ofuscada pela emergência do segundo conflito entre Israel e o Hamas. No momento, o governo de Kiev luta por manter-se à tona nas atenções mundiais, diante da fadiga provocada pelo prolongamento do conflito, seu alto custo financeiro e a falta de ganhos significativos no campo de batalha.
A guerra entre Israel e o Hamas começou desta vez pelo ataque terrorista deste grupo em 7 de outubro, invadindo aquele país e produzindo cerca de 1.200 mortos, na maioria civis israelenses. O ataque provocou uma reação imediata de apoio a Israel.
Entretanto, este apoio vem perdendo força rapidamente, devido à brutalidade e a extensão da resposta do governo de Benjamin Netanyahu, atingindo de modo indiscriminado a população civil da Faixa de Gaza e também, ainda que em menor escala, na Cisjordânia ocupada, provocando cerca de duas dezenas de milhares de vítimas fatais, em grande parte crianças e mulheres.
Também chama a atenção o elevado número de mortes entre médicos, paramédicos e jornalistas em Gaza, além da destruição de grande parte da sua infraestrutura e do deslocamento forçado de sua população civil.
Na Europa, este conflito estimulou a intensificação do tradicional antissemitismo contra judeus e suas instituições, como sinagogas e cemitérios, mas também estimulou a islamofobia. Esta última forma de intolerância ganhou mais força graças à tendência, em quase todo o continente, de partidos e movimentos de extrema direita para “cancelar” seu passado antissemita e aproximar-se de Israel.
Por outro lado, em muitos países europeus registraram-se manifestações massivas em favor dos direitos dos palestinos e de um cessar-fogo humanitário em Gaza. Muitas vezes esses manifestantes foram reprimidos pela polícia e condenados por autoridades sob a alegação de que supostamente abririam espaço para manifestações em favor do Hamas ou antissemitas.
A extrema direita continuou crescendo na Europa, em duas frentes. Em eleições, ela vem ganhando cada vez mais espaço e votos, como na Holanda, onde o Partido da Liberdade, liderado por Geert Wilders, foi o mais votado no recente pleito nacional.
Ao mesmo tempo, ela vem tendo sucesso em liderar a pauta anti-imigrantes e refugiados oriundos de fora do continente, com muitos países adotando medidas cada vez mais duras e restritivas contra eles. Por outro lado, ela perdeu o governo polonês, em favor de uma coligação mais próxima do centro, liderada por Donald Tusk.
Na área tecnológica, 2023 foi um ano marcado pelas discussões éticas em torno do uso da chamada Inteligência Artificial. Louva-se seu uso prático em áreas como saúde e pesquisas científicas, dentre outras.
Entretanto, manifesta-se preocupação pela possibilidade de seu uso repressivo no campo político, como as técnicas de reconhecimento facial, que podem abrir caminho para racismos e outras formas de discriminação. Neste mês de dezembro a Comissão e o Parlamento Europeu anunciaram que adotarão em breve um código de ética para o setor, que seria o primeiro no gênero em todo o mundo.
Na frente climática, 2023 foi um ano marcado por um sem número de inundações no planeta, sintoma do crescente aquecimento global. A realização da COP28 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, renovou a esperança de que algo venha de fato a ser feito para contê-lo. Apesar da timidez dos termos da declaração final, foi a primeira vez em que o tema dos combustíveis de origem fóssil e de seus problemas esteve no centro das atenções.
Por último, mas não menos importante nesta rápida resenha de 2023, cabe registrar o retorno significativo do Brasil à cena política mundial, depois dos anos de ostracismo e isolamento, devido à mediocridade da política externa do governo anterior.
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