O icônico álbum "Jards Macalé", renomeado como "Disco 72", do músico e compositor carioca Jards Macalé, 80, traz parcerias históricas com Capinam, Wally Salomão, Luiz Melodia e Gilberto Gil e foi depurado quando ele estava em Londres, a convite do então já exilado Caetano Veloso, de cujo disco "Transa" (1972) ele assinaria a direção musical. Jards se apresenta em Paris na quinta-feira (29) para celebrar os 50 anos desse swing mestiço que marcou gerações de músicos, dentro e fora do Brasil.
A turnê começa na capital francesa, mas depois segue para diversas cidades da Alemanha, Suécia, Portugal, Reino Unido, Dinamarca, Espanha e termina no festival "Tremor", na ilha de Açores. "Tomara que não seja literal o nome desse festival", brinca Jards Macalé, com seu humor característico, entre o sarcasmo e a brincadeira. Aos 80 anos, celebrados em 2023, o "gênio marginal" da música popular brasileira se apresenta na capital francesa na tradicional sala New Morning, palco de alguns dos shows dos principais nomes da MPB.
"Quando [ao longo da carreira] me chamaram de marginal, eu achei legal. Opa, olha eu aí, marginal. Mas o tempo passou e novas gerações vieram, e as novas gerações não sabiam o que significava a palavra, a atitude marginal. Quando eu fui ver no dicionário o verbete marginal, levei um susto... Era o pior que poderia acontecer na vida de uma pessoa. E aí eu comecei a me rebelar contra esse epíteto de marginal, até provar todo mundo que não era só o marginal, era um músico no máximo, e no mínimo, marginalizado", diz Macalé, numa referência ao termo "maldito", que o acompanhou durante algum tempo, assim como a grandes artistas da sua geração como Walter Franco e Itamar Assumpção.
"Alguns cantores já haviam gravado algumas dessas músicas, como a Gal, a Bethânia", conta Macalé, quando perguntado se o disco havia sido composto em Londres. "Quando eu realizei esse disco eu já estava com o repertório praticamente pronto, depois foram só exercícios", diz. O cantor e compositor, responsável pela direção dos primeiros shows solo de Maria Bethânia no pós-Opinião, e por momentos inesquecíveis da MPB, como o histórico show "Fa-tal", de Gal Costa (1971), quando ela desafiava a ditadura militar vigente no Brasil , Macalé também saúda com gosto a nova geração de artistas brasileiros, como Ava Rocha, Tim Bernardes e Kiko Dinucci, apenas para citar alguns que assinam músicas ao lado do mestre em "Coração Bifurcado", disco lançado em 2023.
"A força da poesia no Brasil é muito grande, e é muito variada, e não só isso... Como esses poetas dessa geração, Torquato Neto, Capinam, Duda Machado, também o Wally Salomão, imagina, a Joyce Moreno. Agora tem uma força muito além dessas pessoas, tem todas as outras formas de música que apareceram como o funk. Cada uma tem uma versão que conta as histórias da cidade do Rio de Janeiro, no caso. Cada estado do Brasil tem um manancial de músicos extraordinário. O país é um poço de música", diz Macalé. "Música é uma coisa livre, não tem dono, não tem classificação, não tem marca, não tem nada", diz o artista, que considera seu disco de estreia como "uma alegoria" e "uma resposta" ao momento mais duro da ditadura militar brasileira, quando foi lançado.
"Quando me me taxaram de maldito, eu me senti honradíssimo", diz Jards Macalé. "Pensei, estou ao lado [dos poetas franceses] Baudelaire, de Mallarmé. Aí eu cheguei a conclusão, que, na verdade, estava era ao lado da América Latina marginalizada e aí eu fui descobrindo que o marginal não era eu. Eu tinha sido marginalizado. Como tudo no Brasil, tinha sido marginalizado pela ditadura militar. E se e mesmo sem ditadura militar, o Brasil é um país marginal. Agora que está tentando se levantar e fazer uma política agora, porque esses últimos 4 anos foram horrorosos. Não foram nem marginalizados, foram criminosos", sublinha o músico carioca, em menção direta aos anos de governo de Jair Bolsonaro.
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